Entenda como as bactérias multirresistentes reagem à limpeza concorrente em UTIs, segundo mapeamento genético.

 

A limpeza concorrente de hospitais e clínicas possui extrema importância para a eliminação de bactérias e microrganismos nocivos à saúde humana.

Por isso, é fundamental entender realmente o papel deste procedimento que diariamente salva vidas.

Em 2019, foi realizado um mapeamento genético pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), da USP, que acusou resistência de determinadas bactérias à limpeza diária de áreas tratamento intensivo, como a UTIs.

Saiba como a limpeza concorrente atua no combate à proliferação de bactérias e agentes infecciosos no ambiente hospitalar. Acompanhe!

Um pouco mais sobre o estudo

A pesquisa realizada no interior de São Paulo, teve parceria da Comissão de Controle de Infecções Hospitalares do HCFMRP com pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

No mapeamento genético, foram constatadas diferenças na composição da microbiota das superfícies das UTIs adulta e neonatal.

Foram utilizadas técnicas de sequenciamento de nova geração, ou seja, recursos que indicam uma quantidade de gêneros e espécies de microrganismos superiores ao cultivo em laboratório.

Atualmente, cerca de 97% das bactérias de qualquer categoria não são cultiváveis, como explica a microbiologista María Eugenia Guazzaroni, professora da FFCLRP e uma das autoras do estudo

 Como não precisa cultivar previamente, conseguimos extrair DNA de microrganismos cultiváveis e não cultiváveis. Os não cultiváveis requerem algumas condições que não somos capazes de imitar em laboratório. Normalmente são os mais extremófilos, ou seja, que vivem nos ambientes mais extremos”, declara a pesquisadora.

Além disso, foi possível reconhecer que várias bactérias causadoras de doenças se alojam nesses locais, tornam-se multirresistentes aos produtos de limpeza ou desinfecção utilizados para minimizar o risco de contaminação hospitalar

 

Infecções Bacterianas em Hospitais do Brasil e do Mundo

Segundo as metas do Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (de 2016 a 2020), foi registrada a incidência de cinco infecções primárias da corrente sanguínea laboratorial a cada mil cateteres venosos centrais por dia em UTI adulto.

Os dados se referem às UTIs dos quase dois mil hospitais dos Brasil, integrados ao documento publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Embora seja uma grande ameaça à saúde humana, esse tipo de infecção é um dos mais comuns dentro dos hospitais.

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, o país acumula US$ 97 a 147 bilhões de custos acumulados diante de cerca de 72 mil óbitos anuais, em razão de infecções hospitalares.

 

Mas afinal, qual a Relação com a Limpeza Concorrente?

O objetivo da pesquisa foi avaliar a qualidade da limpeza concorrente das UTIs adulta e neonatal do hospital.

Mas você deve estar se perguntando: o que é limpeza concorrente?

Trata-se de práticas básicas de higienização que devem ser seguidas dentro e fora do ambiente hospitalar por profissionais e enfermeiros responsáveis por proceder a limpeza diária dos leitos de tratamento intensivo, mesmo com pacientes em internação.

A limpeza concorrente é realizada de acordo com a estrutura das diferentes dependências, como unidade do paciente, saguões, instalações sanitárias, piso de quartos e enfermarias, por exemplo.

Esse tipo de procedimento é mais leve do que a limpeza terminal. Isso porque, a limpeza concorrente não utiliza de máquinas para o processo de higiene do local.

Para maior reduzir as chances de contaminação e prevenir transmissões de doenças, a limpeza concorrente é feita diariamente com água e sabão (ou detergente próprio).

Seguindo a rotina de cada instituição de saúde, deve-se organizar um cronograma de frequência diária. Neste caso, as ocorrências variam entre uma, duas ou até três vezes ao dia.

 

Identificação de Bactérias e Microrganismos nos Ambientes nos Hospitais

Para identificar as comunidades de microrganismos, foi preciso coletar amostras nas superfícies nas quais exigem a realização da limpeza concorrente.

O processo da coleta foi executado em dias de funcionamento normal nas instituições de saúde, sem que as equipes de enfermagem fossem avisadas que haveria inspeção do local.

O principal objetivo desta ideia, era obter um retrato mais fiel da microbiota que habita as UTIs no dia a dia.

Um pesquisador da FFCLRP ficou responsável por extrair as amostras das superfícies de colchão no sentido de localizar qualquer indício da presença de agentes infecciosos nas camas, maçanetas, respiradores, suporte de soro e outros equipamentos.

O mapeamento exigiu que fosse feita a limpeza da unidade para recolher amostras das superfícies de computadores, celulares e pastas de prontuários que integram o ambiente.

A ação foi posta em prática antes e depois da limpeza concorrente.

Dessa forma, os pesquisadores utilizaram o sequenciamento de nova geração para isolar o DNA de todos os microrganismos presentes nas amostras no laboratório.

Assim, foi possível estudar a diversidade desses dados a partir de um marcador genético, para classificar filogenética dos microrganismos presentes nos materiais coletados.

No caso, eles manipularam o gene do RNA ribossômico 16S – um gene muito bem conservado porque está relacionado a uma organela essencial para a sobrevivência das bactérias.

 

Levantamento da Diversidade de Bactérias

O método apresentou uma lista de microrganismos comuns dos hospitais, dos seguintes gêneros: Klebsiella, Pseudomonas, Staphylococcus, Enterococcus, Acinetobacter e Escherichia.

Porém, a distribuição deles variou de uma superfície para outra.

Diante a diferença das amostras coletadas, os pesquisadores constataram que a biodiversidade de bactérias é maior na UTI neonatal do que na unidade intensiva de tratamento adulta.

Essa condição pode estar relacionada com uma quantidade superior de pessoas que transitam pelo local.

Já nas superfícies próximas aos pacientes, a microbiota recebia uma espécie de “impressão digital” particular, quando comparada com superfícies das estações de trabalho.

Segundo a pesquisa, o consumo de medicamentos antibióticos não deixa de ser a única causa do aparecimento de bactérias multirresistentes.

Uma vez que, mesmo após uma limpeza concorrente eficiente, com solução desinfetante, balde com água e papel toalha, os agentes patogênicos não diminuam.

Isso porque, todas essas bactérias já estavam adaptadas a esse tipo de processo e produtos químicos e consequentemente, acabam criando certa resistência à higienização hospitalar.

 

Conclusão da Pesquisa

A docente da FFCLRP Eugenia Guazzaroni, declara que além da frequência de bactérias resistentes aos materiais de limpeza, o que mais chamou atenção na pesquisa é o fato de várias amostras extraídas de celulares apresentaram características semelhantes às das UTIs.

Os celulares imitavam a microbiota do próprio ambiente. Isso quer dizer que a enfermeira está menosprezando as bactérias habitantes daquele lugar”, afirma a microbiologista.

Segundo Mayra Menegueti, professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e integrante da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HCFMRP, os resultados da pesquisa mostram que o volume de bactérias resistentes à limpeza concorrente pode ser insuficiente para que haja transmissão de doenças.

“Ainda queremos fazer outros estudos para determinar qual seria a carga mínima que passaria a mão do profissional e poderia passar para outros pacientes”, diz a docente, que também é coautora do artigo publicado na Frontiers in Public Health.

Realizar a limpeza concorrente é o recurso mais assertivo para a prevenção de doenças e contaminações em hospitais e clínicas.

Por isso, é fundamental garantir o bem-estar e segurança diariamente, seguindo métodos pré-estabelecidos contra bactérias multirresistentes.